Leilão da Nikola: O Futuro dos Caminhões a Hidrogênio Entre Promessas e Fracassos

Nikola Corporation, que já foi uma das grandes promessas
da revolução do transporte sustentável, leiloa seus ativos após declarar
falência. O que deu errado com os caminhões a hidrogênio da marca?
Alessandro Riccoboni
Nikola e o Sonho do Caminhão a Hidrogênio
A Nikola Corporation surgiu com a proposta ousada de
transformar o setor de transporte de cargas com caminhões movidos a células de
combustível de hidrogênio — prometendo autonomia elevada, reabastecimento
rápido e zero emissões. A empresa chegou a ser avaliada em bilhões de dólares e
foi aclamada como “a Tesla dos pesados”.
No entanto, em março de 2025, a empresa entrou com pedido de
falência sob o Capítulo 11 da lei de falências dos EUA, anunciando o leilão de
seus ativos, incluindo os caminhões Nikola Tre FCEV, como parte de seu
processo de reestruturação.
O que estava à venda?
O leilão incluiu unidades do Nikola Tre FCEV, caminhões
pesados com motorização a hidrogênio, projetados para operações de longa
distância. O modelo prometia:
Autonomia de até 800 km
Reabastecimento em aproximadamente 20 minutos
Zero emissões, emitindo apenas vapor d’água
Capacidade de transportar cargas superiores a 17
toneladas
Os Prós da Tecnologia Nikola
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Sustentabilidade:
Tecnologia limpa com emissão zero de gases poluentes.
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Tempo de abastecimento competitivo:
Cerca de 20 minutos para reabastecer, mais rápido que a carga de baterias.
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Capacidade de carga e desempenho:
Demonstrou bom rendimento mesmo em rotas longas e com cargas pesadas.
Os Contras que levaram ao fracasso
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Falta de infraestrutura:
A escassez de postos de hidrogênio, principalmente fora da Califórnia, limitou
fortemente a operação.
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Problemas técnicos:
Caminhões apresentaram falhas recorrentes: desligamentos repentinos, vazamentos
e falhas elétricas.
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Preço inviável:
O custo de produção por unidade era de US$ 679.000, quase o dobro do valor
de venda.
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Questões legais e imagem arranhada:
A reputação da empresa sofreu com escândalos e a condenação de seu fundador por
fraude.
Design “Cara Chata” em um Mercado de “Bicudos”: Um Erro
Estratégico?
Um fator muitas vezes negligenciado na análise dos fracassos
da Nikola é o design cabover (cara chata) adotado em seus caminhões —
incomum e até rejeitado no mercado norte-americano.
Nos Estados Unidos, há forte preferência cultural e prática
pelos caminhões com capô (bicudos), tidos como mais ergonômicos,
confortáveis e tradicionais. Esses modelos não apenas favorecem o conforto dos
motoristas em viagens longas, mas também transmitem uma imagem de força e
confiabilidade valorizada no setor.
Ao optar exclusivamente pelo design cabover, mais comum na
Europa, a Nikola pode ter cometido um erro estratégico de produto mal
adaptado ao mercado local — um descompasso que, junto aos problemas
técnicos e comerciais, pesou na aceitação da frota.
Conclusão
O leilão da Nikola representa mais do que o fim de uma
startup: é um alerta sobre os desafios reais da transição energética no
transporte pesado. A empresa deixou um legado de inovação, mas também de
decisões estratégicas mal alinhadas ao mercado.
A tecnologia de hidrogênio segue como uma aposta viável para
o futuro, mas sua implementação exigirá infraestrutura, confiabilidade técnica,
custos acessíveis — e sensibilidade ao perfil cultural de quem dirige e compra
os caminhões.